Estava me lembrando de uma história que acho interessante compartilhar. Em 2001 eu estava morando nas Filipinas, quando aconteceu algo impressionante: 700.000 pessoas se reuniram em poucas horas em torno de um centro empresarial na principal via de Manila (EDSA) e durante quatro dias protestaram pela saída do presidente Joseph Estrada - que renunciou.
Apenas o fato de acontecer uma revolução popular pacífica em um país com pouco tempo de democracia (Ferdinando Marcos tinha sido derrubado em 1986) já é relevante por si mesmo. Mas, neste caso, todas estas pessoas foram reunidas por meio de SMS. !!!
É isso mesmo, 700.000 pessoas protestando, reunidas em algumas horas, em um movimento organizado por meio de SMS. Veja a imagem do local.
Isso me marcou suficientemente para querer saber mais - estava nas Filipinas como coordenador de um projeto editorial sobre o país, à época. E eram números e números mostrando uma revolução que ainda estava por vir no resto do mundo. O resto, em termos pessoais, é história - como se esquecer de algo assim?
O principal meio de comunicação, em 2001, nas Filipinas, já era o SMS. Enviava-se mais mensagens de textos por dia do que a Europa em um mês. Isto era impulsionado por um valor mínimo, o que tornava o serviço muito barato - favorecendo a inclusão das massas pobres, que contavam agora com uma ferramenta eficiente de comunicação e informação, pois é claro que os serviços de alertas de notícias e outros similares já existiam em quantidade.
Ainda hoje as Filipinas possuem números mais que significativos, aliás: são 400 milhões de SMS por dia (é isso mesmo, você não leu errado - 12 bilhões em um mês), para uma população de 90 milhões de pessoas. O valor médio de receita por usuário com dados é de mais de 50%. Um dia a gente chega lá...
Valeu, Terence !
Aprendi um montão e já andei fuçando por aí com base nas suas considerações e hipóteses.
Genial
; )
Paula
Posted by: Paula Rizzo | 20 maio 2007 at 14:47
Oi Paula, obrigado pelo comentário e os elogios - méritos do Léo. :-) Agora, sobre explicar a relação dos filipinos com o SMS, é complicado. Dá pra elaborar muita coisa. Mas primeiro, é o seguinte: é realmente muito barato. O SMS custa 1/20 do minuto de voz! Em uma população de baixa renda isso faz toda a diferença.
Agora, acrescente a isso o hábito: entre 1994 e 2000 as mensagens enviadas por celulares pré-pagos eram gratuitas, pois os sistemas de billing das operadoras não conseguiam fazer a cobrança.
Estes fatores acima foram potencializados por alguns componentes muito característicos da sociedade filipina: 1. De modo geral, os filipinos têm um certo desconforto para desenvolver conversações mais íntimas, em especial quando estão lidando com emoções (isso não sou eu quem digo, mas estudos que têm o povo como objeto). O SMS, portanto, abria um canal de expressão que não havia antes, e era necessário; 2. Um dito comum nas Filipinas é de que eles são os "empregados domésticos" do mundo, em alusão ao grande número de filipinos trabalhando em outros países, em geral sempre lidando com tarefas domésticas, por sua própria característica de povo ordeiro, pacífico e organizado. As operadoras nas Filipinas desde sempre ofereceram planos de SMS internacional, o que permitia às famílias se comunicarem com baixo custo.
Bom, esses fatores poderiam ser suficientes (e esse comentário já é maior que o post), mas eu vou dar meu pitaco sociológico. Há uma ferramenta analítica que utiliza duas categorias de ação social: voz e saída. Sendo bem conciso, quando você se encontra em uma situação de insatisfação, você em geral usa uma de duas estratégias: ou protesta (voz) ou vai embora, se move(imigração, por exemplo). Esta ferramenta, por exemplo, justifica a inexistência de partidos de esquerda nos EUA pelo fato de ter sido sempre possível buscar novos ares (a marcha para o oeste é um momento). Nas Filipinas sempre houve limitação à vocalização, e sair de lá, bem, já viu o mapa? Então eu considero que poderia haver uma demanda reprimida por comunicação, o SMS sendo o melhor meio de satisfazer esta. Nada mal para um sábado. :-)
Comentário-extra: No Brasil, acredito que tenhamos criado uma nova forma de ação: não se protesta, nem se move, mas burla-se a lei (justificadamente ou não).
Comentário-extra II: o SMS que era enviado durante a EDSA II, dizia o seguinte: "GO 2 EDSA. Wear blck."
Posted by: Terence | 19 maio 2007 at 13:00
Pergunto pois em muitos países é barato também mas não se tem o mesmo efeito...
Posted by: Paula Rizzo | 18 maio 2007 at 19:13
Terence,
Impressionantes estas estatísticas. Existe alguma explicação (sociológica, econômica e/ou tecnológica) para esse uso tão intenso ?
Parabéns pelos seus posts. O seu texto é muito bom e as suas temáticas bem espertas.
; )
Paula
Posted by: Paula Rizzo | 18 maio 2007 at 19:12